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Parem de matar crianças

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Uma nação que mata suas crianças está matando seu futuro. Refiro-me às crianças que são mortas no Brasil, vítimas do que nossas autoridades de segurança denominam de "bala perdida". Andei pesquisando, e essa denominação é mais uma das tantas criações de nossas elites para eufemizar assassinatos de seres inocentes. E vejam que não me referi às crianças como seres indefesos como, comumente, nós adultos nos referimos a elas. Vou dizer por que. Embora muito difundida nas expressões cotidianas de pais, professores, juristas, psicólogos, profissionais da saúde, jornalistas, etc. essa é uma forma equivocada de olhar para as crianças.

As crianças não são indefesas, pelo simples fato de que elas não vêm ao mundo para se defender, para lutar contra nada nem contra ninguém. O ato de nascer não é um partir para a luta, para a guerra. O nascimento é um momento de acolhimento, de acarinhamento, de respeito profundo, de veneração se quiserem, enfim, um momento de amor. E de amor incondicional por esse ser recém-chegado. Incondicional porque se assim não for, não é amor. Pode ser muitas coisas, até importantes, mas, tem uma coisa que não é: amor.

Toda criança deve ser respeitada como um recém-chegado a esse mundo. Um mundo pensado, organizado, planejado e comandado por adultos. As crianças são forasteiros recém-chegados e não tem nenhuma responsabilidade pelo que vão encontrar. Delas, nada pode ser exigido, cobrado ou mesmo esperado. Delas, nós adultos, devemos apenas estar a sua total disposição. Se prestarmos atenção veremos que ocorre o contrário. São as crianças que estão à disposição dos adultos. Quando digo isso imediatamente escuto um rosário de argumentos dos adultos para justificar suas ausências junto às crianças.

Mas até quando os pais ou os responsáveis pelas crianças devem estar a sua disposição? Enquanto elas precisarem. Vou citar outra obviedade. Todas as crianças são crianças. Tão simples isso que chega a parecer redundante. Mas não é. Vamos a um exemplo. É muito comum nos preocuparmos com as crianças de nossas relações familiares, de amizades, etc. Tanto isso é verdade que nos chocamos, nos solidarizamos quando alguma criança de nossas relações sofre alguma violência, passa por doença ou, tristemente, vem a falecer.

Não há nada de errado nisso. Errado é não nos chocarmos, não nos solidarizarmos, quando o sofrimento é de uma criança que não faz parte de nosso círculo de relações. Por isso é preciso repetir: todas as crianças são crianças! Todas as doze crianças que foram assassinadas por "balas perdidas" na cidade do Rio de Janeiro, só em 2020 (ONG Sou Da Paz), eram crianças. Tinham nome, sobrenome.

Tinham pais, irmãos, avós, amiguinhos de escola, de rua. Eram crianças. Mas o que cada um de nós pode fazer por algo que acontece tão distante ou tão fora de nossa influência? Tenho uma sugestão, bem simples e realizável. Peguemos nossos carros refrigerados, pode ser por alguns poucos minutos, e saiamos de nossos condomínios fechados, escolhamos uma vila da periferia da cidade e circulemos por ela. Veremos muitas crianças. Detalhe: todas essas crianças são crianças. Tão crianças como as que moram no meu bairro, brincam no playground do meu prédio, no meu condomínio fechado. Talvez a diferença seja que onde as "nossas crianças" moram, correm um risco mínimo de morrerem por uma "bala perdida".

O motivo é simples: "bala perdida" só mata criança pobre - na maioria negra. Será por isso que não nos indignamos quando acontece? Confesso, ando meio com nojo de certos discursos "indignados" com o encurtamento do horário do shopping, com o adiamento das compras de Natal e festas de Ano Novo. Emilly Victória e Rebeca Beatriz, assassinadas na frente de casa por bala perdida (4/12/2020), eram crianças. Todas as crianças são crianças, mesmo que sejam negras e pobres.

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